VIDA E OBRA
Luís Vaz de Camões é um poeta português, filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo. Terá nascido por volta de 1524/1525, não se sabe exactamente onde.
Pensa-se que estudou Literatura e Filosofia em Coimbra, tendo tido como protector o seu tio paterno, D. Bento de Camões, frade de Santa Cruz e chanceler da Universidade.
Porém, num dia abandonou Coimbra antes mesmo de completar o curso e veio para Lisboa.
Tudo parece indicar que pertencia à pequena nobreza, no entanto aborrecia-se por não poder trabalhar, nem ganhar a sua vida, foi então defender a Pátria como soldado, em Ceuta, e em combate perdeu o olho direito. Depois de dois anos de guerra, voltou para Lisboa, onde resolveu ficar.
Em 1552, foi preso em consequência de uma briga com um funcionário da Corte, Gonçalo Borges, e metido na cadeia do Tronco. Saiu logo no ano seguinte, inteiramente perdoado pelo agredido e pelo rei. Partiu para a Índia nesse mesmo ano, quer para obter mais facilmente o perdão, quer para se libertar da vida lisboeta, que não o contentava.
Segundo alguns autores, terá sido por essa altura que compôs o primeiro canto de «Os Lusíadas».
Na Índia parece não ter sido muito feliz, Goa decepcionou-o, como se pode ler no soneto “Cá nesta Babilónia donde mana”. Tomou parte em várias expedições militares e, numa delas, no Cabo Guardafui, escreveu uma das mais belas canções: “Junto dum seco, fero e estéril monte”. Viajou de seguida para Macau, onde exerceu o cargo de provedor-mor de defuntos e ausentes, e escreveu, na gruta hoje reconhecida pelo seu nome, mais seis Cantos do famoso poema épico. Voltou a Goa e naufragou na viagem na foz do Rio Mecom, mas salvou-se, nadando com um braço e erguendo com o outro, o manuscrito da imortal epopeia, facto documentado no Canto X, 128. Nesse naufrágio viu morrer a sua "Dinamene", rapariga chinesa a que se tinha afeiçoado. A esta fatídica morte dedicou os famosos sonetos do ciclo Dinamene, entre os quais se destaca “Ah! Minha Dinamene! Assim deixaste”. Em Goa sofreu caluniosas acusações, dolorosas perseguições e duros trabalhos, vindo Diogo do Couto encontrá-lo em Moçambique, em 1568, "tão pobre que comia de amigos", trabalhando n'Os Lusíadas e no seu Parnaso, "livro de muita erudição, doutrina e filosofia", segundo o mesmo autor.
Em 1569, após 16 anos de desterro, regressou a Lisboa, tendo os seus amigos pago as dívidas e comprado o passaporte. Só três anos mais tarde conseguiu obter a publicação da primeira edição de Os Lusíadas, dedicado a D. Sebastião, este ofereceu-lhe, uma tença anual de 15 000 réis pelo prazo de três anos.
Os últimos anos de Camões foram amargurados pela doença e pela miséria. Reza a tradição que se não morreu de fome foi devido à solicitude de um escravo Jau, trazido da Índia, que ia de noite, sem o poeta saber, mendigar de porta em porta o pão do dia seguinte. O certo é que morreu a 10 de Junho de 1580, sendo o seu enterro feito a custos de uma instituição de beneficência, a Companhia dos Cortesãos. Um fidalgo letrado seu amigo mandou inscrever-lhe na campa rasa: "Aqui jaz Luís de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente, e assim morreu."
ÉPOCAS E MENTALIDADES
Renascimento:
Movimento cultural que se desenvolveu na Europa ao longo dos séculos XV e XVI, com efeitos nas artes, nas ciências e em outros ramos da actividade humana. As cidades italianas foram pioneiras neste movimento intelectual
No centro da transformação intelectual renascentista encontra-se a passagem de uma mentalidade teocêntrica (que colocava Deus no centro da reflexão humana) a uma mentalidade antropocêntrica (que via o homem como centro). Esta proposta correspondia a um reconhecimento e a uma crença optimista nas capacidades e no valor do ser humano, contrapondo-se à visão medieval do mundo.
O termo Renascimento está ligado ao facto de, neste período, os eruditos europeus terem voltado a sua atenção para as grandes obras da antiguidade clássica, que acreditavam terem sido esquecidas durante a Idade Média. Nelas encontravam as raízes das questões básicas que pretendiam responder alguns dos seus problemas. As obras clássicas eram também modelo para as obras que pretendiam criar.
Humanismo:
Doutrina centrada nos interesses e valores humanos. Num sentido mais restrito, o termo designa também um movimento intelectual europeu do Renascimento, que influenciou a cultura da época nas vertentes literária e artística. Caracterizou-se pela valorização do espírito humano e por uma atitude crescentemente individualista, a par de um grande interesse pela redescoberta das obras artísticas e literárias da antiguidade clássica. Estabeleceu-se então o ideal do homem renascentista, que deveria ser simultaneamente um poeta, um erudito e um guerreiro.
Nesta acepção, o humanismo teve origem nos estudos literários levados a cabo nos séculos XIII e XIV por homens de letras como Petrarca. Na época, o humanismo ganhou maior peso com os estudos de textos literários do passado, resultando na redescoberta, para o ocidente, do grande acervo da literatura grega clássica. Em Portugal o humanismo atingiu o seu ponto alto no século XVI, fomentado pela universidade e, sobretudo, pela criação, em Coimbra, do Colégio das Artes (1548).
Classicismo:
Termo cuja utilização se generalizou, ao longo do século XIX, para designar uma tendência estética. O classicismo toma por modelos as formas, regras e temas da arte da antiguidade greco-romana.
De forma geral, o início do classicismo coincide com o período Renascentista; a recuperação de modelos e valores da cultura antiga greco-latina acompanha o crescimento do interesse pelo humano, estranho à tradição escolástica medieval. A assimilação dos preceitos clássicos foi heterogénea, no tempo e no espaço.
Em finais do século XVIII, o classicismo renova-se com o neoclassicismo.
Os Lusíadas
Estrutura Externa:
A obra divide-se em dez partes, às quais se chama cantos. Cada canto tem um número variável de estrofes (em média de 110). O canto mais longo é o X, com 156 estrofes.
As estrofes são oitavas, portanto constituídas por oito versos. Cada verso é constituído por dez sílabas métricas; na sua maioria, os versos são heróicos (acentuados nas sextas e décimas sílabas).
O esquema rimático é o mesmo em todas as estrofes da obra, sendo portanto, rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos (ab-ab-ab-cc).
Esta estrutura externa é semelhante à das epopeias clássicas.
Estrutura Interna:
É na sua estrutura interna, isto é, no desenvolvimento do assunto, que Os Lusíadas se revelam claramente como uma epopeia clássica, apresentando a seguinte estrutura:
· Proposição – parte introdutória, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3)
· Invocação – pedido de ajuda às divindades inspiradoras (A principal invocação é feita às Tágides, no canto I, estrofes 4 e 5, às Ninfas do Tejo e do Mondego, no canto VII 78-82 e, finalmente, a Calíope, no Canto X, estrofe 8)
· Dedicatória – oferecimento do poema a uma personalidade importante. (Esta parte, pode ter origem nas Geórgicas de Virgílio ou nos Fastos de Ovídio; não existe em nenhuma das epopeias da Antiguidade)
· Narração – parte que constitui o corpo da epopeia; a narrativa das acções levadas a cabo pelo protagonista. (Começando no Canto I, estrofe 19, só termina no Canto X, estrofe 144, apresentando apenas pequenas interrupções pontuais).
Os Planos Temáticos da Obra:
Plano da Viagem: A narração dos acontecimentos durante a viagem entre Lisboa e Calecut.
Plano da História de Portugal: Em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os acontecimentos de toda a nossa história, desde Viriato até ao reinado de D. Manuel I. Em Calecut, Paulo da Gama apresenta ao Catual os episódios e as personagens representados nas bandeiras das naus. A história posterior à viagem de Vasco da Gama é-nos narrada em prolepse, através de profecias.
Plano da Mitologia: A mitologia permite a evolução da acção (os deuses assumem-se como adjuvantes ou como oponentes dos portugueses) e constitui, por isso, a intriga da obra.
Plano do Poeta: Considerações e opiniões do autor, expressões nomeadamente no início e no fim dos cantos.
A Mitificação do Herói
Os Lusíadas celebram os Portugueses enquanto nação, colectividade. Para isso, o poeta desenvolve uma história de Portugal como epopeia, seleccionando os episódios e as figuras, de modo a fazer avultar o lado heróico e exemplar da História, cantando-a. Por outro lado, o poema tende à universalidade, louva não só os Portugueses mas o homem em geral: a sua capacidade realizadora, descobridora. A empresa das descobertas é a grande prova dessas capacidades: a de se impor à natureza adversa, de desvendar o desconhecido, de ultrapassar os limites traçados pela cultura antiga e pelo conceito tradicional do homem e do mundo, que estavam dogmatizados e eram difíceis de superar. Os Lusíadas celebram a capacidade de alargar e aprofundar o saber; a realização do homem no que respeita ao amor e, por fim, talvez o mais importante, o poder de edificar a vida face ao destino. De não ser vítima da fatalidade. De se libertar e de ser sujeito do seu próprio destino. Por isso, um dos temas épicos consiste na comparação sistemática com os modelos antigos, com o apogeu na divinização dos heróis.
Maria Vitalina leal de Matos, Tópicos para Uma Leitura de Os lusíadas, Editorial Verbo, Lisboa, 2003
O Homem, «bicho da terra» tão pequeno, conseguiu conquistar o mar que o transcendia - espaço de transgressão -, vencendo as forças, personificadas pelos Deuses. Conseguiu isso pela ousadia, pelo estudo, pelo sacrifício, por querer superar-se a si próprio e ser «mais alto» e ir «mais longe». Os homens tornam-se deuses, fazendo cair do pedestal as antigas divindades. A recepção dos nautas pelas ninfas significa a confirmação dos receios de Baco: de facto, os navegantes cometeram actos tão grandiosos que se tornam amados pelos deuses; e, de certo modo, divinizam-se também. Temos aqui um mito construído com elementos da cultura greco- latina, mas elaborado para o efeito específico que o autor visa. O que diz esse mito? Reconhece a importância excepcional do acontecimento nuclear do poema -a Viagem de Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. A viagem é física, humanista, geográfica e poética. A euforia leva à epopeia como forma elevada de imortalizar os heróis da aventura.
Mais do que explorar os mares, a viagem traduz em si mesma a contínua procura de verdade, pois é sempre mais belo viajar do que chegar. Desta viagem resulta a passagem do conhecido para o desconhecido, das trevas para a luz, de uma ideologia confinada para outras e diversas realidades. Os olhos dos eleitos que viram o raiar da aurora e a água pura das fontes ou que tiveram o privilégio de contemplar a «máquina do Mundo» exprimem a metáfora da luz numa nova época do conhecimento. O deslumbramento dos nautas pelo erotismo da «ilha» simbolizará também a necessidade de uma comunhão dos homens com o divino na procura da suprema harmonia.
Assim se consubstancia a narrativa que na Ilha dos Amores revelará ao mundo que a única via para o Futuro é o Amor e o Conhecimento. A superação advém dessa interiorização, dos perigos e contrariedades. «Vede» -depois de tantos e tantos perigos, chegámos aqui para voltar com o conhecimento. A descoberta verdadeira foi que o caminho marítimo (ou terreno) é através do Amor e do Conhecimento. O desconhecido torna-se conhecido e o mistério é desvendado, os nautas divinizados.
Reflexões do Poeta: críticas e conselhos aos Portugueses
O Poeta faz diversas considerações, no início e no fim dos Cantos da sua epopeia, criticando e aconselhando os Portugueses.
Por um lado, refere os «grandes e gravíssimos perigos», a tormenta e o dano no mar, a guerra e o engano em terra; por outro lado, faz a apologia da expansão territorial para divulgar a Fé cristã, manifesta o seu patriotismo e exorta D. Sebastião a dar continuidade à obra grandiosa do povo português.
Nas suas reflexões, há louvores e diversas queixas aos comportamentos. Realça o valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio; lamenta, por exemplo, que os Portugueses nem sempre saibam aliar a força e a coragem ao saber e à eloquência, destacando a importância das Letras. Critica os povos que não seguem o exemplo do povo português que, com atrevimento, chegou a todos os cantos do Mundo; não deixa de queixar-se de todos aqueles que pretendem alcançar a imortalidade, dizendo-lhes que a cobiça, a ambição e a tirania são honras vãs que não dão verdadeiro valor ao homem. Daí, também, lamentar a importância atribuída ao dinheiro, fonte de corrupção e de traições.
Lembrando o seu «honesto estudo», «longa experiência» e «engenho», «Cousas que juntas se acham raramente», confessa estar cansado de «cantar a gente surda e endurecida» que não reconhecia nem incentivava as suas qualidades artísticas.