Fernando Pessoa

Fernando Pessoa - Biografia

  • Fernando António Nogueira Pessoa nasce a 13 de Julho de 1888, no Largo de S. Carlos, em Lisboa.
  • Em 1893, sofre a morte do pai, Joaquim de Seabra Pessoa, perda que marca a sua infância.
  • Em 1895, a mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira Pessoa, contrai matrimónio com João Miguel Rosa, cônsul em Durban, na África do Sul.
  • Em 1896, Fernando Pessoa parte com a mãe para África do Sul, onde realiza os seus estudos.
  • Em 1905, regressa a Portugal.
  • Em 1906, matricula-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa.
  • Em 1907, abandona o Curso. Abre a « Tipografia Íbis », em Lisboa, um projecto que fracassa.
  • Em 1908, começa a trabalhar como correspondente estrangeiro.
  • Em 1912, participa na revista A Águia e esboça o perfil do seu heterónimo Ricardo Reis.
  • Em 1914, publica « Pauis » e « O sino da minha aldeia » em A Renascença.
  • Em 1915, publica « O Marinheiro », « Opiário » e « Ode Triufal », na revista Orpheu.
  • Entre 1916 e 1927, colabora em inúmeras revistas da época : Contemporânea, Athena, Revista da Comércio e Contabilidade e Presença.
  • Em 1934, publica Mensegem.
  • No dia 30 de Novembro de 1935, morre, vítima de uma cólica hepática, no Hospital de S. Luís dos Franceses.

FERNANDO PESSOA - ORTÓNIMO
Em Fernando Pessoa, observa-se a presença de uma pequena humanidade, com diversas personagens que possuem personalidades distintas, designadas heterónimos. Mas há, também, uma personalidade poética ativa que mantém o nome de Fernando Pessoa e, por isso, se designa de ortónimo. Em Fernando Pessoa ortónimo são estudadas as seguintes temáticas:

Fingimento artístico:

"Autopsicografia"
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda 
Que se chama coração



Reflexão:
Neste poema Fernando Pessoa fala da teoria do fingimento poético, pois um poema não traduz aquilo que o poeta sente, mas sim aquilo que o poeta imagina a partir da recordação do que anteriormente sentiu. O poeta é, assim, um fingidor que escreve uma emoção fingida, pensada, por isso fruto da razão de da imaginação e não a emoção sentida pelo coração, que apenas chega ao poema transfigurada na tal emoção trabalhada praticamente.
O leitor não sente nem a emoção vivida realmente pelo poeta, nem a emoção por ele fingida no poema, sentido apenas o que na sua inteligência é provocado pelo poema – assim, a poesia, segundo Fernando Pessoa, é a intelectualização da emoção.



Sonho / Realidade

" Tudo o que faço ou medito"
 
Tudo o que faço ou medito 
Fica sempre pela metade,  
Querendo, quero o infinito.  
Fazendo, nada e' verdade.
Que nojo de mim me fica 
Ao olhar para o que faço!  
Minha alma e' lúcida e rica, 
E eu sou um mar de sargaço ...
Um mar onde bóiam lentos 
Fragmentos de um mar de alem... 
Vontades ou pensamentos?  
Não o sei e sei-o bem.

Reflexão:
O sujeito poético neste poema procura auto-analisar-se com a sua lucidez aguda, a sua alma “lúcida e rica”, na tentativa de se auto conhecer. No entanto, aquilo que encontra é um espelho sem reflexo, “um mar de sargaço” que impede o encontro consigo mesmo.
Este poema revela a tentativa da descoberta de si mesmo, que lhe revela a impossibilidade de se conhecer.

Nostalgia de um bem perdido

" O menino da sua mãe"

No plaino abandonado
Que a morta brisa aquece,
De balas traspassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
"O menino da sua mãe".
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

Reflexão:
Este poema foi escrito para poder ser visto de modo metafórico, a representação do próprio poeta que sabe ser impossível o regresso ao regresso materno, porque a infância ficou para trás, inevitavelmente perdida, ideia que pode relacionar-se com a temática pessoana “a nostalgia da infância” – a época de ouro, da felicidade inconsciente, para sempre perdida, que contrasta com a situação presente caracterizada por consciência aguda que provoca no poeta a sensação de desconhecimento de si mesmo, a perda de identidade.
 O sujeito poético neste poema fala também da cigarreira dada pela sua mãe e o lenço dado pela alma que o ajudou a criar, são representações do seu passado de “menino” que viveu junto a quem o amava.

A dor de pensar
"Ela canta pobre ceifeira"

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !
Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção ! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro !  Tornai
Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !
Reflexão:
O poeta não quer intelectualizar as suas emoções, prefere permanecer ao nível do sensível para poder desfrutar dos momentos, no entanto a constante intelectualização não o permite. Vive angustiado, pois todos os seus sentimentos são automaticamente intelectualizados e, através disso, tudo fica distante, confuso e negro. Sente que vive preso numa cela pois sabe que é incapaz de parar de raciocinar, como tal considera que nunca teve o prazer da realidade porque para ele tudo é uma perda, pois quando observa a realidade sente que tudo em seu redor se evaporou

FERNANDO PESSOA - HETERÓNIMOS



Os heterónimos são concebidos como individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e até um horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas centrais da sua obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de realidade e a estranheza da existência. Traduzem a consciência da fragmentação do eu, reduzindo o eu “real” de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos seus heterónimos na existência literária do poeta. São a mentalização de certas emoções e perspectivas, a sua representação irónica. De entre os vários heterónimos de Pessoa destacam-se: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a génese dos seus heterónimos, Caeiro (1885-1915) é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortónimo. Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso , embora a maior parte da sua vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas, sendo os do último período da sua vida escritos em Lisboa, quando se encontrava já gravemente doente (daí, segundo Pessoa, a “novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra”).
Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, isto é, recusando saber como eram as coisas na realidade, conhecendo-as apenas pelas sensações, pelo que pareciam ser. Era assim caracterizado pelo seu panteísmo, ou seja, adoração pela natureza e sensacionismo. Era mestre de Ricardo Reis e Álvaro de Campos, tendo-lhes ensinado esta “filosofia do não filosofar, a aprendizagem do desaprender”.
São da sua autoria as obras  O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos.
Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colégio de jesuítas, tendo recebido, por isso, uma educação clássica (latina). Estudou (por vontade própria) o helenismo, isto é, o conjunto das ideias e costumes da Grécia antiga (sendo Horácio o seu modelo literário). A referida formação clássica reflecte-se, quer a nível formal, quer a nível dos temas por si tratados e da própria linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado.
Apesar de ser formado em medicina, não exercia. Dotado de convicções monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República. Caracterizava-se por ser um pagão intelectual lúcido e consciente (concebia os deuses como um ideal humano), reflectia uma moral estoico-epicurista, ou seja,  limitava-se a viver o momento presente, evitando o sofrimento (“Carpe Diem”) e  aceitando o carácter efémero da vida.
Álvaro de Campos, nasceu em Tavira em 1890. Era um homem viajado. Depois de uma educação vulgar de liceu formou-se em engenharia mecânica e naval na Escócia e, numas férias, fez uma viagem ao Oriente (de que resultou o poema “Opiário”). Viveu depois em Lisboa, sem exercer a sua profissão. Dedicou-se à literatura, intervindo em polémicas literárias e políticas. É da sua autoria o “Ultimatum”, manifesto contra os literatos instalados da época. Apesar dos pontos de contacto entre ambos, travou com Pessoa ortónimo uma polémica aberta. Protótipo da defesa do modernismo, era um cultivador da energia bruta e da velocidade, da vertigem agressiva do progresso, de que a Ode Triunfal é um dos melhores exemplos, evoluindo depois no sentido de um tédio, de um desencanto e de um cansaço da vida, progressivos e auto-irónicos.
Representa a parte mais audaciosa a que Pessoa se permitiu, através das experiências mais “barulhentas” do futurismo português, inclusive com algumas investidas no campo da ação político-social.
Destaca-se ainda o semi-heterónimo Bernardo Soares (semi "porque - como afirma o seu próprio criador - não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade."), ajudante de guarda-livros que sempre viveu sozinho em Lisboa. Desde 1914 que Pessoa ia escrevendo fragmentos de cariz confessional, diarístico e memorialista aos quais, já a partir dessa data, deu o título de Livro do Desassossego - obra que o ocupou até ao fim. É neste livro que revela uma lucidez extrema na análise e na capacidade de exploração da alma humana.

Alberto Caeiro - O Mestre

Alberto Caeiro apresenta-se como um simples “guardador de rebanhos”, que só se importa em ver de forma objectiva e natural a realidade, com a qual contacta a todo o momento. Daí o seu desejo de integração e de comunhão com a natureza.
Para Caeiro, “pensar” é estar doente dos olhos. Ver é conhecer e compreender o mundo, por isso, pensa vendo e ouvindo. Recusa o pensamento metafísico, afirmando que “pensar é não compreender”. Ao anular o pensamento metafísico e ao voltar-se apenas para a visão total perante o mundo, elimina a dor de pensar que afecta Pessoa.
Caeiro é o poeta da Natureza que está de acordo com ela e a vê na sua constante renovação. E porque só existe a realidade, o tempo é a ausência de tempo, sem passado, presente ou futuro, pois todos os instantes são a unidade do tempo.
Mestre de Pessoa e dos outros heterónimos, Caeiro dá especial importância ao acto de ver, mas é sobretudo inteligência que discorre sobre as sensações, num discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo. Passeando a observar o mundo, personifica o sonho da reconciliação com o universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza.
É um sensacionista a quem só interessa o que capta pelas sensações e a quem o sentido das coisas é reduzido à percepção da cor, da forma e da existência: a intelectualidade do seu olhar volta-se para a contemplação dos objectos originais. Constrói os seus poemas a partir de matéria não-poética, mas é o poeta da Natureza e do olhar, o poeta da simplicidade completa, da objectividade das sensações e da realidade imediata (“Para além da realidade imediata não há nada”), negando mesmo a utilidade do pensamento.
Vê o mundo sem necessidade de explicações, sem princípio nem fim, e confessa que existir é um facto maravilhoso; por isso, crê na “eterna novidade do mundo”. Para Caeiro o mundo é sempre diferente, sempre múltiplo; por isso, aproveita cada momento da vida e cada sensação na sua originalidade e simplicidade.

Ricardo Reis – ‘O epicurista triste’

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva. 
Características de Ricardo Reis:
- é médico
- expatriado para o Brasil por ser monárquico
- frequentou um colégio de Jesuítas
- Latinista e Semi-helenista à Antiguidade Clássica
- é inteligente

É influenciado por:

- Epicurismo: Defendia o prazer como meio da felicidade, sendo necessário um estado de ataraxia para o alcançar. Para isso, não se apega a nada. «Não se dá as mãos» para não se criarem laços de ligação que tornam mais difícil a morte e mais provável a dor.
         ‘Carpe Diem’ – Vive o momento, sem dor.
         ‘Ataraxia’ – estado de tranquilidade total, paz.

- Estoicismo: Defendia que o Destino é superior a tudo, aos Deuses e aos Homens. Então, já nada podemos fazer. O melhor é ficar à espera do que ele nos trará e assim evitamos sermos surpreendidos.
Antecipação da morte – pré sofrimento – tristeza constante
O conhecimento só se alcança com disciplina e previsão porque a vida é muito curta. Assim, devemo-nos manter impávidos e serenos em relação a ela.

Linha de pensamento:
 - Efemeridade da vida: ‘Aprendamos que a vida passa’
 - Carpe Diem: ‘Enlacemos as mãos’ – vivamos a vida em pleno
 - Depois começa a pensar e estraga o momento. ( Ponto de contacto com F. Pessoa)
 - Para não estragar ou modificar a paz interior, não se pode gozar a vida com os prazeres terrenos e paixões.
 - Como Caeiro, também Ricardo Reis tenta encontrar a felicidade na natureza, mas não consegue porque pensa demais. quer prever tudo e não se deixa levar.
 - Vive o presente: o passado já passou e o futuro só ao destino pertence.
 - Isola-se do Mundo para não se apegar e sofrer.

Estilo e Linguagem:
- verbos: imperativo e conjuntivo
- Influência clássica: Lídia (nome romano) e ‘óbulo ao barqueiro’ (mitologia grega)
- Uso de metáforas
Álvaro de Campos
Álvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa sente “um impulso para escrever”. O próprio Pessoa considera que Campos se encontra no «extremo oposto, inteiramente oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser como este um discípulo de Caeiro.
Campos é o “filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. O sensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir.
Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência de sentir, mas não lhe basta a «sensação das coisas como são»: procura a totalização das sensações e das percepções conforme as sente, ou como ele próprio afirma “sentir tudo de todas as maneiras”.
Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é configurado “biograficamente” por Pessoa como vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil particularmente nos poemas em que exalta, em tom futurista, a civilização moderna e os valores do progresso.
Cantor do mundo moderno, o poeta procura incessantemente “sentir tudo de todas as maneiras”, seja a força explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o próprio desejo de partir. “Poeta da modernidade”, Campos tanto celebra, em poemas de estilo torrencial, amplo, delirante e até violento, a civilização industrial e mecânica, como expressa o desencanto do quotidiano citadino, adoptando sempre o ponto de vista do homem da cidade.